sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Educação Pré-Escolar e Cultura

Texto de Ana Lucia Goular de Faria
A tese de doutorado de Ana Lúcia Goulart de Faria, agora publicada em livro, é daquelas que abrem caminhos, que convidam à reflexão. Oferece contribuições à pedagogia, especialmente à Educação Infantil.
A autora explicita claramente as suas intenções e interpretações, o que permite a quem lê a oportunidade de concordar ou não com elas.
Em uma carta, datada de 09.10.93, Ana Lúcia Goulart de Faria fala a Mario de Andrade que estiveram juntos, há quase vinte anos, no centenário da rede municipal de Educação Infantil, na cidade de São Paulo, conhecendo nesta ocasião o poeta-educados, pois já conhecia o poeta-autor.
A autora fala das angústias de educadora, pois no momento estava terminando sua tese de doutorado sobre o parque infantil e o direito à infância na classe operarária, iealizada por Mario de Andrade.
Pede paciência por sua carta e que é acadêmica, como tem que ser e diz que é professora da Unicamp e que já trabalhou em diversos órgãos públicos que atuam em creches e pré-escolas e que é preocupada com a educação das crianças pequenas das camadas populares. Diz que os três: ele, ela e equipe foram demitidos pelos acertos.e que estuda e ensina para os seus alunos universitários o que está relacionado com a política.
Conta da pesquisa sobre o parque infantil do Departamento de Cultura, durante a gestão em que Mario trabalhou e quer discutir com ele alguns aspectos.
Diz estar empenhada, como ele, em buscar caminhos (ao lado de outros colegas) para a construção de uma política integrada de educação para a infância brasileira.
Mario de Andrade proporcionou, ao criar o parque infantil, o direito à infância, do brincar, do não trabalhar; ainda a sua preocupação com o folclore, demonstrando que compreende o povo e que ver a criança como inteira, diferente consumindo e produzindo cultura.
Ele escreveu bastante sobre arte infantil, analisou os desenhos das crianças pequenas, inclusive refletindo sobre diferenças de gênero, o que não é muito comum hoje.
O parque infantil de Mario de Andrade era completamente diferente dos outros existentes, pois não estavam preocupados com a qualidade de vida como o dele estava.
Infelizmente os seus PI foram transformados em Escolas Municipais de Educação Infantil, perdendo o seu caráter lúdico e artístico, sua marca registrada, bem como o caráter livre, através dos jogos folclóricos. Os professores não sabem brincar e improvisar. O modelo “escolarizado” voltado para a alfabetização atual, é em geral realizado através de planejamento que impede a construção de novos conhecimentos.
A autora fala que estar sentindo dificuldade para terminar a tese, pois acha que precisa ler muito mais. Fala das novidades que trouxeram as experiências com o PI. Os órgãos de cultura ainda não estão envolvidos com a educação infantil após nova vigência da lei, atribuída ao município.
Finaliza dizendo que Mario é 500, pois o governo brasileiro comemora o seu centenário, com o seu rosto na nova moeda de 500 mil cruzeiros.
A autora fala que só foi com as origens da urbanização e da industrialização que novos programas, visando à sobrevivência das crianças e também à formação disciplinada da classe operária, começam a ser implantados. Por que as crianças de 0 a 6 anos são excluídas da história da educação infantil no Brasil? O que aconteceu com os adultos brasileiros que só se lembraram do direito à educação das crianças na Constituição de 1988?
Antes mesmo dos educadores participarem dessa luta, o movimento feminista e o movimento sindical, desde os anos 70, ao lado de luta contra a ditadura militar, já reivindicavam creches.
Antes mesmo de existirem, as creches já eram reivindicadas em benefício da mulher trabalhadora.
As pré-escolas públicas, em geral poucas, eram alocadas nas Secretarias de Educação, e cada vez mais voltadas para a alfabetização e para o modelo escolar, distinguiam-se das creches, que eram voltadas para a criança (e para sua mãe).
A inserção dos direitos da criança pequena no bojo da luta contra a ditadura não foi nada fácil e ainda hoje na tramitação da LDB estas dificuldades permanecem.
A pré-escola fez 50 anos de existência, sendo criada por Mario de Andrade, quando diretor do Departamento de Cultura (DC), em São Paulo (1935-1938), os primeiros parques infantis (PI) para crianças de 3 a 12 anos.
Somente em 1975, os Pis que já tinham passado a receber crianças de 3 a 7 anos, transformaram-se nas atuais Escolas Municipais.
A autora fala que na base do erro e acerto foram construindo novos conhecimentos sobre a infância, definindo áreas de pesquisa e propondo para a Nova Constituição o direito a creches e pré-escolas para todas as crianças de 0 a 6 anos.
Já existem alguns estudos sobre a contribuição dos modernistas e de MA na definição de um projeto cultural para o país através do DC.
Para tirar o Brasil do atraso e construir uma nação moderna, os intelectuais das décadas de 20 e 30 acreditavam na reforma da educação e do ensino, e só dispunham do poder das idéias. MA acreditou que poderia ser através da administração pública.
É possível sir do atraso pela administração pública?Quem vai educar as novas gerações para elas sejam diferentes de nós? Quem vai dar continuidade ao trabalho iniciado por MA? A autora diz que muitas destas questões ainda ficarão sem resposta.
Embora Mario tenha sido contemporâneo de Benjamim e Vigostky não se pode dizer que era marxista. Ele era um eterno professor, interessado no Brasil e também nas crianças. Embora fosse teórico, contribuiu entre as mais diferentes áreas do conhecimento, para a educação infantil.
Os pesquisadores da área de educação, que cada vez mais se interessam pela educação em creches e pré-escolas ainda não estudou o PI do DC enquanto uma alternativa educacional para as crianças de família operária, pois o objetivo era deste assegurar o direito da criança a ser criança e preserva todas as dimensões humanas – física, intelectual, cultural, lúdica, artística, etc.
Em relação ao lúdico, ainda se verifica em classe de pré-escola pública em São Paulo, que a professora não está preparada para brincar ou deixar as crianças brincarem, embora estas ainda brinquem.
Nos primeiros tempos de República, início do século, havia ausência de jogo e brincadeira nas instituições para as crianças pobres, embora eles existissem para as crianças de famílias abastadas.
A autora confirma a hipótese de que o PI, na gestão de MA, corresponde às aspirações do operário e foi um espaço público onde a criança de 3 a 6 anos de família operária pode ser criança, brincando. A proposta do PI, enquanto “sugestão de MA”: colaborar enquanto subsídio para uma política de educação infantil brasileira, colaborar na formação dos educadores de pré-escola e, portanto, contribuir na construção de uma pedagogia não-escolar para as crianças menores de 7 anos das camadas populares.

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